domingo, 20 de setembro de 2009


A Amizade entre Jesus e o Presbítero

No sacramento da Ordem, estabelece-se um vínculo de intimidade entre Jesus Cristo e cada um dos presbíteros. Esse vínculo de amizade, respeitoso dos caracteres pessoais de cada presbítero, vai se desenvolvendo e fortalecendo progressivamente pela vida de oração e pela celebração dos sacramentos. O único e eterno Sacerdote é o ser humano por excelência. O evangelista João pôs na boca de Pilatos esta revelação: “Eis o homem” (Jo 19,5). Em Cristo todos podem se espelhar, para encontrarem sua verdadeira identidade. O Concílio Vaticano II diz na constituição pastoral Gaudium et Spes: “Só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem” (GS 22). Também se poderia dizer: só no mistério de Cristo Sacerdote se esclarece o mistério de todo presbítero.
Em Cristo todos os presbíteros podem se encontrar a si mesmos e uns aos outros, num relacionamento de amizade e colegialidade. A amizade pelo Mestre fará com que cada presbítero se sinta amigo de todos os presbíteros. No decreto Presbyterorum Ordinis sobre a vida e a missão dos presbíteros, o Vaticano II diz: “Os presbíteros, elevados ao presbiterato pela ordenação, estão unidos entre si numa íntima fraternidade sacramental. Especialmente na diocese (...), formam um só presbitério. Embora ocupados em diferentes obras, exercem o mesmo ministério sacerdotal a favor dos homens. Todos são enviados para cooperarem na obra comum, quer exerçam o ministério paroquial ou supraparoquial, quer se dediquem à investigação científica ou ao ensino, quer se ocupem de trabalhos manuais compartilhando a sorte dos operários, onde isso pareça conveniente e a competente autoridade o aprove, quer realizem qualquer outra obra apostólica ou orientada ao apostolado. Todos têm uma só finalidade, isto é, a edificação do Corpo de Cristo que especialmente em nossos dias, requer múltiplas atividades e novas adaptações” (PO 8).

Para além do pecado
A amizade que existe entre Cristo e cada presbítero e entre os presbíteros independe da santidade humana. A graça se realiza pelo sacramento administrado. É pelo sacramento da Ordem, que em verdade é um dom de Deus para a Igreja através da escolha e ordenação de um servidor, que se realiza a graça. A teologia tradicional sobre os sacramentos diz que a graça se realiza ex opere operato. Quer dizer: quando são dados todos os elementos sacramentais – as palavras e os gestos, segundo a intenção da Igreja – acontece a graça. Ela não depende da santidade humana, mas da pura vontade de Deus. É fruto da gratuidade divina, que quer salvar os seres humanos pela intermediação de outros.
O Mediador é um só: Jesus Cristo. Mas a mediação do único e sumo e eterno Sacerdote realiza-se pela intermediação de inúmeros agentes. Entre estes estão os presbíteros. Homens marcados pelos limites próprios da natureza humana e também pelo pecado. Mesmo assim – e aqui está a bondade escandalosa de Deus – neles e através deles a graça da salvação se realiza em favor dos irmãos. Não interessa se a placa de sinalização está colocada sobre um pau podre ou um poste enferrujado. O que interessa é o sinal. Assim, cada presbítero, independentemente de sua santidade ou de seu pecado, foi escolhido para ser amigo de Cristo e agente de sua salvação.

Uma estrutura de graça
É óbvio que isso não justifica o pecado humano. Tanto mais quando se trata de alguém que foi chamado a uma especial relação de amizade com o Senhor. Seu pecado é tanto mais escandaloso, quanto mais deveria pôr-se à frente dos fieis como sinal de salvação. Vale aqui o que disse Jesus daqueles que provocam escândalos, que levam os outros a pecar: “Melhor seria se lhe amarrassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem no fundo do mar” (Mt 18,6).
Estamos diante do mistério da iniquidade e do mistério da graça. Se grande é a capacidade humana para o pecado, para a divisão e o escândalo, bem maior é a graça de Deus. “Onde se multiplicou o pecado, a graça transbordou” (Rm 5,20). No que depende de Deus, antes e mais que sermos pecadores, somos criados no seu amor. Mais profundamente que o pecado original, habita em nós a graça original, a bondade radical. Vivemos numa estrutura de graça que costura todas as relações humanas. Uma estrutura de graça que se faz ainda mais densa e intensa no Corpo de Cristo que é a Igreja. Uma estrutura de graça que – poderíamos afirmar – se faz ainda mais firme e segura na união de amizade entre Cristo e os presbíteros, que, no Corpo de Cristo, fazem as vezes de Cristo-Cabeça.

A graça supõe e aperfeiçoa a natureza
Os presbíteros, portanto, por uma graça especial, vivem unidos a Cristo, Cabeça da Igreja. E, por meio dele, vivem unidos entre si. Numa união de amizade e solidariedade que vai além dos laços visíveis das relações humanas. Que supera, até, a mesquinhez do egoísmo e do orgulho humano. Trata-se de graça, gratuidade. Nesse sentido, é dom imerecido. Por isso mesmo, um dom que precisa ser acolhido com gratidão e abertura de coração. A graça supõe e aperfeiçoa a natureza. É preciso, pois, que a natureza humana seja trabalhada pela oração e o estudo, pela ascese e o zelo apostólico. A fim de que, na relação misteriosa entre Cristo e os presbíteros, vá crescendo a santidade desses homens chamados a tão grande ministério.
Sugiro aos leitores que neste mês orem para que os presbíteros de seu mundo de relacionamentos sejam homens de oração, amigos de Jesus, verdadeiramente apaixonados por seu Mestre e Senhor.

*Pe. Vitor Galdino Feller
Diretor e professor de teologia no ITESC - Instituto Teológico de Santa Catarina.

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