domingo, 20 de setembro de 2009

A vocação e a missão dos discípulos de Jesus
Texto-base do 3º Congresso Vocacional do Brasil, marcado para setembro de 2010, está sendo elaborado por alguns teólogos indicados pela comissão executiva do congresso. Lema: "Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações" (Mt 28,19).
OS dois congressos vocacionais pre­cedentes também buscaram um texto evangélico para iluminar e enriquecer a reflexão. Às vésperas do Ju­bileu, que celebrou a virada do milênio, refletiu-se sobre a vocação de Bartimeu, adotando como lema do 1 º Congresso a fra­se do evangelho de Marcos: "Coragem! Levanta-te, Ele te chama" (Mc 10,49b). O 2º Congresso Vocacional escolheu a pará­bola dos trabalhadores enviados à vinha, do evangelho de Mateus, para meditar a temática das vocações e ministérios a par­tir do lema: '!Ide também vós para a minha vinha!"(Mt 20,4).
Percebemos nestes congressos, mais do que uma clara base bíblica, o desejo de avançar na reflexão em busca de uma com­ preensão ampla e aberta da temática voca­cional e ministerial na Igreja, comunidade de chamados e enviados. E no 3º Congres­so Vocacional, dentro desta dinâmica, a re­ flexão seguirá novamente Mateus (28,19) para aprofundar o tema: "Discípulos-missionários a serviço das vocações".
Vocação e missão dos discípulos de Jesus.
Na Bíblia toda vocação é para a missão e esta pressupõe um chamado: a vocação. Do contrário, a vocação seria algo estéril, fechada em si mesma, sem comunhão e consequências em prol do reino e de sua justiça. Também não podemos reduzir a missão a uma tarefa posterior ao chamado ou a uma simples dimensão da vocação. A missão não é um acréscimo ou extensão da vocação, mas um componente essencial quer seja ela leiga, religiosa ou sacer­dotal. A missão faz parte do DNA de toda e qualquer vocação.
A vocação tem origem divina: Deus é quem toma a iniciativa e nos chama desde a sua gratuidade. O chamado é graça e o envio também. Tanto a vocação quanto a missão nunca visam o bem pessoal do vocacionado, mas de todo o povo de Deus. A verdadeira vocação e missão não são graças apenas para as pessoas escolhidas, mas para muitos, conforme dizia Jesus referindo-se a sua própria vocação e missão:
"O Filho do Homem não veio para ser ser­vido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos" (Mt 20,28).
Vocação e missão: dois lados da mesma moeda.
Um autêntico serviço de animação vo­cacional é antes de tudo uma ação evange­lizadora e genuinamente missionária. Nos evangelhos, aquele que chama é o mesmo que envia. Tal realidade confirma que vo­ cação e missão são partes de um binômio inseparável e complementar. Ou, como diz a expressão popular: são dois lados de uma mesma moeda. Lados distintos, cada um com suas características próprias, mas par­tes de uma realidade inseparável, onde uma pressupõe a outra. Na prática, a distinção entre a vocação e a missão é mais de caráter pedagógico que real. Isto significa que precisamos fi­car atentos para evitar certas expressões, como aquelas que escutamos ao falar da "dimensão missionária da vocação". Pois a missão não é uma simples "dimensão", mas elemento constitutivo da identidade de toda vocação e parte integrante do ser­ viço de animação vocacional.
A identidade missionária da Igreja.
A comunidade dos discípulos de Jesus é essencialmente missionária. A missão faz parte da própria natureza e identidade da Igreja.
É impossível pensar numa Igreja não missionária ou indiferente à missão. A comunidade dos seguidores de Jesus existe para a missão e dela procede. Por isso, podemos afirmar com segurança que todas as vocações e ministérios também são de natureza missionária e se fundamentam na missão de Jesus Cristo e do Espírito Santo.
De acordo com uma antiga tradição, o termo "Igreja" encontra sua raiz no livro do Deuteronômio para indicar a comuni­dade de Javé (d. Dt 23,2ss. = "assembléia de Iahweh)". Segundo o evangelho de Mateus, a Igreja é a comunidade dos cha­mados e enviados para dar testemunho do reino e da sua justiça. Mateus é o único evangelista a adotar o termo "Igreja" ao se referir à comunidade dos seguidores de Jesus Cristo (d. Mt 16,18; 18,17). Por isto é conhecido entre os estudiosos como o "evangelho eclesiástico", onde a comuni­dade dos discípulos missionários é chama­ da e enviada por Jesus ressuscitado: "Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19).
A Igreja é a comunidade dos chamados e enviados para dar testemunho e servir o reino. Os próprios evangelhos que ela pro­clama são escritos missionários que apre­sentam a pessoa e o projeto de Jesus Cris­to, o reino e a sua justiça. Se de uma parte a Igreja é enviada, de outra ela está sem­ pre enviando os seus discípulos missioná­rios para o serviço da evangelização.
O binômio vocação-missão.
Ao tratar do tema da vocação dos discí­pulos missionários na Bíblia, encontramos um esquema simples e invariável monta­ do a partir de dois verbos: "chamar" e "en­viar".Todo chamado é feito em vista de uma missão, o envio. No Antigo Testamen­to vemos que Deus criou um povo missionário. Deus chama e envia o povo de Isra­el para ser o construtor de seu reino. Os grandes vocacionados e vocacionadas da Bíblia não são apenas modelos de pessoas chamadas, mas também são exemplos de missionários e missionárias enviados a pro­clamar e a construir o reino. Correspon­dendo ao chamado divino e vivendo os va­lores do reino, cada membro do povo de Israel assume sua vocação e missão.
De maneira geral podemos afirmar que no Antigo Testamento Deus é o autor de todos os chamados, enquanto que no Novo Testamento esta função é reservada a Je­sus. Porém, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, todos os vocacionados e vocacionadas são envia­ dos a uma determinada missão.
Não há sequer um único caso onde o tema da vocação apareça desvinculado do envio e da missão. Dizer "sim" ao chama­ do vocacional é o mesmo que acolher a missão ine­ rente a este chamado. A resposta generosa à pro­posta vocacional é também um "sim" ao envio para a missão, que em última ins­tância é uma convocação a colaborar na realização do Projeto de Deus. O imperativo missioná­rio não é uma exclusividade do evangelho de Mateus, mas aparece em todos os evan­gelhos sirr6ticos (cf. Mc 16,15-18; Lc 24,44­ 48). O chamado de Jesus aos vocacional­ dos que pescavam no mar da Galileia, a Levi na coletoria de impostos, ao cego Bartimeu na entrada de Jericó, ou a qual­ quer outra pessoa em qualquer outro lu­gar, não é apenas um convite ao seguimen­to, mas é também uma convocação a assu­mir o projeto do reino e a participar da sua missão (cf. Mc 1,16-20; 10,46-52; Mt 9,9). Independentemente da vocação específica de cada vocacionado, o chamado é sem­pre em vista da missão seja qual for a si­tuação ou lugar do mundo.
No quarto evangelho Jesus se apresen­ ta um grande número de vezes como o enviado do Pai (cf. Jo 5,36.38; 6,29.57; 7,29; 10,36; 11,42; 17,3.8.18; 20,21). Nos evan­gelhos sinóticos ele diz que "veio - vim ­ fui enviado" ou adota outras expressões equivalentes (cf. Mc 1,38; 2,17; 10,45; 12,2­ 8; Mt 5,17; 10,34; 11,27; Lc 4,17-21; 9,48; 10,16; 12,49; 19,10).
Nas cartas de Paulo Jesus também aparece como missionário(cf. Mc 3,13-14 Do Pai, e na carta aos Hebreus ele é chamado de apóstolo (cf. Rm 8,3; 2Cor 8,9; GI4,4; FI 2,7;3,1). No evangelho de Marcos vemos Jesus chamar os discípulos missionários para estarem com ele, in­seri-Ios na sua obra e logo os enviar, confirmando as­ sim a relação entre a voca­ção/chamado e a missão/ envio. Marcos nos mostra de maneira clara que o en­contro pessoal do vocacio­nado com Jesus é uma exi­gência que antecede o envio e o serviço missionário). A missão dos discípulos de Jesus cha­mados a transformar a história pessoal e de toda a humanidade, está situada entre a manhã de Pentecostes e a volta gloriosa do Senhor (cf. At 2,1-13). Os discípulos missionários formam a comunidade dos seguidores de Jesus, comprometidos e pre­parados para a missão de anunciar e cons­truir o reino e sua justiça. Enquanto cha­mados e enviados por Jesus, os discípulos missionários o representam como verda­deiros embaixadores. O próprio Jesus os chamará de [UTF-8?]“pescadores de [UTF-8?]homens” quando os convida ao seguimento desde as margens do mar da Galiléia (d. Mt 4,19; Mc 1,17).
A iluminação bíblica do 3º Congresso Vocacional.
O próximo Congresso Vocacional esco­lheu a passagem bíblica onde encontramos o imperativo missionário de Jesus ressus­citado: "Os onze discípulos caminharam para a Gali1eia, à montanha que Jesus lhes determinara. Ao vê-lo, prostraram-se dian­ te dele. Alguns, porém, duvidaram. Jesus, aproximando-se deles, falou: Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discí­pulos, batizando-as em nome do Pai, do Fi­ lho e do Espírito Santo. E ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consu­mação dos séculos!" (Mt 28,16-20).6.
Esta passagem do evangelho de Mateus, que iluminará a reflexão do 3º Congresso Vocacional do Brasil, aparece após a cena do túmulo vazio, das aparições às mulheres e da corrupção dos soldados que vigiavam o sepulcro de Jesus. Trata-se de uma cena com tonalidade eclesial-missionária em perfeita harmonia com a totalidade do "evan­gelho eclesiástico" de Mateus.
Podemos dividir este texto de Mateus em quatro pequenas partes articuladas entre si: a primeira traz a indicação de voltar à Galileia e se encontrar com o Res­ suscitado (vv. 16-17). A segunda consiste na solene proclamação de Jesus que rece­beu de Deus o poder universal (v. 18). A terceira parte é o imperativo missionário (v. 19). A última parte é a garantia da pre­sença do Ressuscitado junto aos discípu­los missionários (v. 20).
a) Galileia: um novo começo:
Regressar à Galileia é retomar ao co­ meço para iniciar uma nova caminhada vocacional e missionária com mais consistência e maturidade. Também é um convi­te a valorizar as próprias raízes, a repen­sar os projetos e as opções. É um novo chamado vocacional que nos permite re­ começar com uma nova fé e uma nova es­perança. A primeira missão que os discí­pulos receberam não foi a de realizar uma tarefa e apresentar os resultados, mas a de caminhar ao encontro do Ressuscitado. A experiência com o Ressuscitado toma­ se, assim, o ponto de partida da atividade missionária. A missão não será outra coi­sa senão a comunicação desta experiência de encontro com Jesus Cristo vivo na Galileia, lugar da vida e da missão.
b) A autoridade
Jesus transmite sua autoridade aos dis­cípulos missionários. Eles recebem a au­toridade para construir o reino e sua justi­ça. Trata-se do poder de ser servidores do reino e continuadores da obra de Jesus, que tem autoridade divina e humana, isto é, "no céu" e "na terra". O Ressuscitado dá aos onze discípulos missionários o poder de servir ao reino e nunca usá-lo em benefi­cio próprio. Eles representam toda a Igre­ja chamada a servir e a proclamar a vonta­de de Deus.
c) A missão não conhece fronteiras:
A missão indicada por Jesus Cristo supera as fronteiras, não exclui nenhum povo e alcança "todas as nações". Os discípulos missionários são enviados não apenas às "ovelhas perdidas de Israel", mas ao mun­ do inteiro para fazerem discípulos do rei­ no e da sua justiça. Do mesmo modo que esta missão ultrapassa as fronteiras de Israel, ela também supera os limites do tem­po, devendo se estender até "a consuma­ção dos séculos". Quem conduz os discí­pulos missionários e toda a Igreja é o Es­pírito Santo.
d) Jesus está com eles
No final da cena Mateus deixa claro que Jesus ressuscitado é Deus morando no meio de nós para sempre. Os discípulos missionários caminham com a certeza de que aquele que os chamou estará sempre presente no meio deles. Jesus dá todas as garantias aos discípulos de que jamais os abandonará. Ele é o "Emanuel - Deus conosco" - que acompanha seus vocacio­nados até "a consumação dos séculos".
Missão de todos e de cada um
Jesus não confiou a missão evangeliza­dora a Pedro ou a um dos apóstolos, mas aos onze, que representam toda a Igreja chamada a edificar o reino. Porém, são di­ferentes as maneiras de desenvolver a missão quando consideramos a variedade dos carismas e ministérios suscitados pelo Espírito Santo nas comunidades. Pelo Ba­tismo todos são chamados e convocados à missão. Mas cada vocação específica tem formas próprias de participar da missão evangelizadora da Igreja.
Os ministros ordenados (diáconos, pa­dres e bispos) dedicam-se totalmente ao serviço evangelizador (d. Presbyterorum Ordinis, 3).A pessoa vocacionada ao minis­tério ordenado é chamada a se colocar inte­gralmente a serviço da Igreja e de sua cau­sa: a evangelização. Os chamados e cha­madas à vida consagrada sabem que sua vocação é essencialmente missionária, uma vez que são testemunhas e anunciadores do reino no meio das realidades do mundo. De igual maneira os cristãos leigos e leigas são convocados a serem "sal da terra e luz do mundo" (Mt 5,13-16). Ou, como afirma o documento de Puebla: "Os cristãos lei­gos são homens e mulheres da Igreja no co­ ração do mundo, homens e mulheres do mundo no coração da Igreja" (n. 786).Gilson Luiz Maia Religioso Rogacionista e sacerdote

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